Tráfego

Tenho me movido pouco. O que fiz foi aumentar o raio da circunferência em torno do mesmo centro. E o centro é a casa. Vivi até então sob o regime do risco mínimo, do mínimo prejuízo. Sigo a cartilha de meu pai que ensinou a profilaxia classe-média da poupança e do horror à dívida. Piso em falso por condição dos pés chatos. Sou um sujeito metido a frágil, com mais cicatrizes do que cortes e muito medo. Penso em demasia. O vício me ensinou a pensar engenhosamente cada vez mais e pior a ponto de que presente algum desse prova de felicidade duradoura. Dela desconfio. Tento também desconfiar da esperança: nunca consegui. Tenho mãos arredias, pequenas, cheia de tremores que aprendi a esconder, todos, com a lição materna do sorriso e ouvidos prontos a dar e, muitas vezes, esquecidos de contrapartida. Nunca fui bom de começos, por assim dizer. Em verdade, sempre me forcei ao atraso para melhor me preparar. Depois, sempre julguei necessário recomeçar para corrigir. Tudo desculpa, truque. Sou um afterthought que ainda não se cumpriu. Do subúrbio de onde vim, trago a pressa ansiosa e a incurável sensação de que não vai dar tempo. Do subúrbio de onde vim, carrego as grandes proporções que, em escala, transpus aos meus gestos de ópera e, sobretudo, aos arroubos de paixão. E por ironia, dela, da paixão, invariavelmente me queixei do mau trânsito.

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